Ainda não era quando, em 1974, em Portugal estalou o 25 de Abril, símbolo da nossa actual democracia. Há, contudo, uma afectividade ardente em mim por este acontecimento, como deverá existir em todos para quem a Humanidade só pode ser tecida pelos frágeis fios da Liberdade. O impulso primeiro para coroar esta data foi seleccionar uma música ou um poema que nos lembrasse a data, para que não nos esqueçamos, como se a liberdade não fosse uma obrigação quotidiana de cada um de nós, enquanto humanos.
Perdoem-me, pois, todos os grandes homens e mulheres que lutaram por mim, do poeta ao político, do pé-descalço ao padre, do preso político ao ladrão que roubou para comer, mesmo antes de eu ser. Perdoem-me, os que lêem, não cair na paixão de combustão rápida, que se extingue em si mesma, de dar “urras” e “vivas” pelo acontecimento “25 de Abril de 74”, como uma obrigação de agenda, ainda que esteja imensamente grata pelo mundo que criou, espaço onde nasci livre e me posso reinventar a cada dia.
O legado, a herança da liberdade, da obrigação desta, não é aplaudir as conquistas pela Liberdade, suspendendo o mundo, assistindo de bancada; o nosso papel de herdeiros é aumentar esse grau de liberdade, inscrevendo-nos no mundo, optando em liberdade aumentando com isso a liberdade dos outros. Infelizmente, morto o papão da ditadura, houve para muitos a necessidade de encontrar outro amo, mesmo que em nome da liberdade. É mais fácil ser escravo, menos autêntico, menos humano, mas mais seguro, responsabilizando os outros (os pais, a escola, a política, a sociedade, o “sistema”, a crise, etc) pelo que está mal ou seguir a falsa segurança dada pelos outros que temos por ídolos seguindo-os cegamente. Ser livre nunca é reacção nem passividade, mas sempre opção: possibilidade que nos é oferecida a cada instante. E optar, em liberdade, é sempre, e perdoem-me o aparente cliché, responsabilidade. Ser livre custa, exige exposição, insegurança, coragem, feridas expostas, fragilidade, assumir erros, não ter medo de viver debaixo da tempestade sem o guarda-chuva de respostas absolutas . Ser livre é sermos, também, responsáveis pela liberdade nos outros, não perseguindo, não impondo, não nos tornando senhores. Ser livre é pensar e agir em coerência interna e não por imposição externa, mesmo que com isso se perca um bom emprego ou aplausos que nos mimam o ego e dão estatuto. Ser livre é ser-se autêntico e promover a autenticidade nos outros. Ser livre é olhar de frente para nós, nus, frágeis, e ver em nós todas as vítimas e todos os carrascos do mundo, porque a existência de ambos é responsabilidade nossa.